12 de mai. de 2010

Essa noite não....
















O vento sul varre tudo o que há no chão, folhas secas, sacolas plásticas.
As mulheres que param para olhar o corpo não sabem se seguram o
vestido ou os cabelos. Os homens disfarçam, mas querem ver
o corpo nu exposto sem vida.

-Era tão bonita e tão jovem! Ela não saía de casa nunca, raramente
era vista aqui no prédio.Comenta minha vizinha do apartamento ao lado.

Todos do prédio estão nas janelas dos apartamentos para ver meu
corpo imóvel. Pessoas surgem de todos os lados, ouço o barulho da
sirene do carro dos bombeiros.O corpo nu, a pele branca, os
cabelos molhados e nenhuma gota de sangue.
Estava ali deitada no chão frio. Tão só.

-Pq estou aqui no chão? Como está frio! Pq essas pessoas estranhas
olham para mim com olhar de pena e de horror?

Ao mesmo tempo que sentia um vazio vulcânico como se me tivessem
arrancado todas as entranhas, sentia uma paz muito grande, simplesmente
porque já não pensava mais.
Os pensamentos que me torturavam tornaram-se apenas brisa leve.
Já não pesava mais meus olhos e nem meu corpo.
O desejo frustrado e não realizado já não me ardia no corpo frio e vulnerável.

Talvez a premonição de minha mãe tenha se realizado:
-Lia, você nasceu para sofrer!

A minha nudez exposta ali, no centro da cidade, como num palco,
alguns homens se acotovelavam para olhar. Os bombeiros logo que
chegaram cobriram meu corpo com um tecido prateado futurista
e me levaram para uma ambulância barulhenta com cheiro de éter.

Por alguns momentos apaguei.
Quando voltei a “ver” estava no meu quarto, na minha cama, nua.
O corpo esticado na cama.

Quero segurar minhas pernas na cama, parecem pesar 100 kg
cada uma, ao mesmo tempo elas se tornam tão leves, tão leves
que parecem ter vida própria e querem levantar, levando meu
corpo junto. Querem ir até a janela do apartamento no décimo
segundo andar e voar, voar…e sentir o vento gelado da noite
de inverno, perder o peso do corpo e apagar todos os pensamentos ruins.

É uma luta cruel entre minha mente e o meu corpo.

O barulho da ambulância havia cessado, tudo era silêncio agora.
Ouvi o canto de um pássaro, o som do motor de um carro e da
vida seguindo seu curso lá fora.

Uma luz forte faz meus olhos arderem e sinto tontura, vertigem.
E como se eu voltasse de muito longe lentamente..

Acordei! Desta vez foi apenas mais um pesadelo.
Essa noite.............não!

Vênus

3 comentários:

MARCO ANTONIO BERNARDINO disse...

É um conto o qual é difícil dizer que é bonito, ainda que traga a beleza costumeira que é a luz de sua sensibilidade, esta sim, linda e cativante; é um conto que preocupa a quem te conhece e gosta de ti, e nos faz desejar que você nos traga um conto por dia (no mínimo) para que saibamos que você está aqui conosco, que você não é Lia, mas a Nane Cândido a nos abrlihantar os dias Twítticos, nosso sol, com seus cabelos rosa, olhos cor de mel, e mistérios da cor dos sonhos das poetisas que são tão raras e tão necessárias à escala dos sonhos místicos e míticos de quem ama viver..
Parabéns!!
Um beijo.

Inez Alvarez disse...

Nane,

Vc é espírita ou tem conhecimentos espíritas ? pq eu sou kardecista e vc descreveu (mesmo que no seu conto seja pesadelo, ainda bem) sensações verdadeiras (na visão espírita) do que seria uma morte trágica. Na literatura espírita existem relatos bem parecidos com sensações assim. Por isso pergunto se é espirita porque é incrivel ter sido tão coerente no que descreveu se não for. E se for faz sentido. de qualquer forma me impressionou. Gostei bastante pois gosto deste tipo de literatura mas se tiver oportunidade gostaria de conversar mais sobre este conto. Bjssssssss

But I Must Confess disse...

original e lindo, essa é a minha definiçao desse conto, adorei essa pequena frase:

"É uma luta cruel entre minha mente e o meu corpo"


esta de parabens amiga! tu tem um talento de ouro!