25 de set. de 2010

A Procissão


















-Mãe, estou cansado.

-Para de jogar bola meu filho, entra, toma um banho e vem tomar café.

A casa simples de madeira e chão batido de 3 cômodos é limpa e simples, os poucos móveis mantém a dignidade do lugar.

O vento cai leve junto com a tarde, o sol doura suas últimas cores, a morna brisa e o cheiro de pão caseiro tornam o ambiente aconchegante e acolhedor.

Meu filho mais novo, Antônio, um menino gorduchinho, alegre e ativo nunca para. Desde o amanhecer sai para brincar na rua, no gramado ao redor de casa, os cabelos louros e encaracolados brilham a sol, traz nos olhos ternura e ao mesmo tempo pressa de fazer tudo, não gosta de dormir, quer brincar, andar no meio dos animais, tomar banho de rio, andar atrás dos dois irmãos mais velhos, de mim ou do pai.

Passamos por grande dificuldade financeira, Silva foi vender uns bezerros para ver se arranja alguma dinheiro, precisamos de roupas e remédios. O inverno vem aí e as crianças estão precisando de roupas quentes.

Aos domingos é sagrado. Missa, almoço em família, tarde livre. A família toda em casa.

-Domingo que vem será especial. Será procissão de Nossa Senhora de Fátima, santa a que sou devota fervorosa e fiel. Quero todos na missa comigo.

Todos concordam.

Na segunda-feira a tarde estava terminando de colocar o pão no forno do fogão a lenha quando Antônio apareceu na porta. Como de costume vem correndo para na porta e fala:

-Mãe, estou cansado.

Nos seus quatro anos de vida ele nunca ficou doente. Mas hoje notei algo diferente. Os olhos caídos e o rosto muito vermelho. Não foi para o banho como de costume. Jogou-se no chão e ficou ali.

Fui correndo atendê-lo, algo estava errado. Mal encostei nele senti o corpo quente, ardendo em febre.
Levei-o para a cama no meu quarto. Busquei água morna e lavei rapidamente os pezinhos,a s mãos e o rosto.

-Jorge, vá rápido chamar o médico.

Jorge saiu apressado, já chorando. Ninguém fica doente aqui eem casa e uma dor de dente ou febre põe todos em pânico.

Logo o médico chega, receita um colher de um remédio que não conheço dissolvido em um copo de água, duas vezes ao dia, rodelas de pepino ou batata colocadas na testa e trocadas de vez em quando por rodelas fresquinhas para baixar a febre.

-Pode me chamar a qualquer hora, mas isso não é nada. É uma febre apenas.

Disse o médico com muita certeza. E foi embora.

Logo toda a família estava ao redor da cama, os irmãos com olhar de preocupação, o pai querendo disfarçar o nervosismo apenas olhava o filho de vez em quando sem nada dizer.

A febre baixou durante a noite, mas ele continua na cama, sem forças, fraco, molinho, a dobrinhas de gordura murcharam, os olhos vivos e alegres estão apagados e sonolentos.

Ele apenas diz:

-Mãe eu quero ir na procissão domingo.

-Sim meu filho, vamos todos juntos. Vamos rezar para Nossa Senhora e ela vai curar você.

Ajoelhei-me diante da santa que tenho no meu quarto, em cima da penteadeira, chorei e rezei pela saúde do meu filho.

A semana passou sem grandes melhoras, a febre sumiu mas ele continuou fraco e sem ânimo.

Sábado a noite a febre voltou. Medicamos segundo a indicação do médico, mas a febre não baixava.
Passamos a noite cuidando dele e preocupados com sua saúde, não existe hospital aqui. Somente um médico e mais nada.

Amanheceu o dia e nada de melhora. Próximo a hora da procissão Antônio me chamou:

-Mãe a senhora não vai na procissão?

-Não meu filho, vamos ficar aqui rezando para você melhorar.

Quando a santinha passar você vai ficar bom.

-Mãe, eu queria tanto ir.

Os olhos grandes e lentos, as mãozinhas quentes em vima do peito, os canhinhos desfeitos pelo suor da febre, a respiração lenta como água de Rio em tarde de outono. O menino lutava contra a sonolência da febre dormente para se manter acordado. Logo ouviu a voz dos irmãos.

-Mãe a santinha está passando.

Do quarto de Antônio ouvíamos as cantorias e orações. Quando a santa passou em frente a nossa porta Ântonio adormeceu profundamente.
Senti que a frebre baixou, Antônio dormia tranquilamente. Continuei rezando aos pés da cama. Pedia a Nossa Senhora que o libertasse daquela enfermidade.

Quando ouvi a procissão voltando, passando novamente na porta de casa olhei para Antônio e senti ele suspirar muito fundo e de repente seu semblante ficou em paz. Parecia sorrir.

Ele faleceu na hora em que a santa passou em frente a casa. Como ele queria foi embora junto com a santinha que ele adorava tanto.

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*O médico foi chamado novamente.

Achou estranho que o remédio não tivesse causado nenhuma melhora.

-A senhora dava que dose para o menino?

-Uma colher cheia pura, duas vezes ao dia.

O médico jogou-se numa cadeira ao lado da cama, levou as duas mãos a cabeça.
Seu olhar era de desolação, pesar e perplexidade.
Ele sabia que o remédio nessa dose para uma criança é puro veneno.

Foi embora sem nada dizer.

Um comentário:

MarquesK disse...

Se foi sonho ou realidade, uma palavra doce ou magia. A despedida de quem parte, devia ser lembrada como a cura, da enfermidade dessa vida.

Parabéns pelo Texto

MarquesK

Só o Rock Alivia