21 de ago. de 2010

Ameaça Silenciosa

















Sair do trabalho no meio da tarde é muito bom
Ando no meio da multidão apressada, passo em frente a catedral sempre caminho na última fileira da escadaria assim posso caminhar com meu scarpin sem problemas.
Em 10 minutos estou em casa. Jogo a bolsa em cima da poltrona, vou tirando os scarpins e a roupa e vou direto para o banho.
Ainda estou penteando os cabelos quando o telefone toca insistente.

-Alô?

Ninguém responde.

-Alô, alô?

A pessoa do outro lado da linha não responde e não desliga. Fico em silêncio por um momento tentando ouvir alguma coisa.

Ouço apenas uma respiração abafada e o silêncio.

Desliguei. Quem quer que fosse não queria falar nada. Talvez apenas ouvir minha voz, mas quem?
Meu telefone é novo, de uma operadora nova. Quase ninguém além do pessoal do trabalho tem meu número.

Foi o suficiente para pensar em todas as hipóteses:
Quem faria isso?
Por qual motivo?
Pensei que pudesse ser algum homem interessado em mim que ligou e não teve coragem de falar, uma mulher que tem ciúmes do marido e acha que eu tenho um caso com ele e quer me incomodar, ameaçar, mas uma mulher com raiva não ficaria calada, meu ex-marido, meu ex-namorado, o homem que me assedia no trabalho, um homem que me segue na rua?
Quem?
Meu namorado tem o costume de me ligar para dar um toque apenas para que eu saiba que ele está pensando em mim, eu faço o mesmo com ele. Pode ter sido ele.

Ligo para meu ex-marido. Não foi ele. Para meu trabalho, ninguém de lá havia me ligado. Para meu namorado contei o que houve, não foi ele que ligou.

Deve ter sido algum engano. Volto a minha rotina. No outro dia chego em casa mais ou menos no mesmo horário e o telefone toca novamente.

No primeiro momento fiquei congelada. Não sabia o que fazer. Atendi e não falei nada, fiquei apenas tentando ouvir algo que me ajudasse a identificar de onde estavam falando.

Depois de alguns minutos desliguei. Saí de casa na mesma hora, olhava para trás com a sensação de que alguém estava me seguindo. Fui a uma loja e comprei um identificador de chamadas, voltei apressada e instalei o aparelho no meu telefone. Assim saberia o número de quem estava me ligando.

Sábado e Domingo o telefone não tocou. Pode ser alguém que está ligando para minha casa usando o telefone de alguma empresa.

Penso muito que pode ser meu colega de trabalho. Mas qualquer pessoa falaria comigo, não entendo o silêncio do outro lado da linha.

Na segunda-feira logo que abro a porta do apartamento o telefone toca. olho o número no identificador, não é um número comum, não é da minha cidade, parece ser do RJ ou do exterior.

Pronto. Meu ex-namorado.
Eu o deixei, disse que voltaria mas simplesmente desapareci. E sei que ele anda a minha procura.

Mas meu telefone é novo, como ele poderia saber o número? Se está com raiva ou quer falar comigo qual o motivo do silêncio?

Liguei para a operadora. Me informaram que o número é sigiloso.
Liguei para a delegacia anti-sequestro.

-Você precisa fazer o seguinte: anote todos os dias e horários em que recebe as ligações. Espere a pessoa fazer contato. Se houver alguma ameaça você nos procura.

Passamos horas e horas meu namorado e eu tentando desvendar o mistério. Imaginamos todo tipo de conspiração, vingança, trote, mas nunca chegamos a uma conclusão.

Anotei dia e hora das ligações, sempre por volta das quatro da tarde. Liguei para o número, mas a ligação não completava. Um mês se passou e ainda não identifiquei quem está me ligando.

Hoje vou atender e vou tentar falar com quem está ligando, pode ser que seja alguém precisando de ajuda.

-Alô?
Quem é você?
Posso ajudar em alguma coisa?
Fale comigo, por favor! Se você quer falar comigo estou aqui para ouvir o que você tem a dizer.

Silêncio.

Agora que falei com o desconhecido meu medo foi embora. A curiosidade não.

Uma semana depois, sábado onze da manhã o telefone toca.

Olho no identificador. É ele!

-Alô?

Um ruído alto como se alguém desbloqueasse algo, uma chave virada, um ruído e finalmente uma voz:

Uma voz feminina.

-Alô aqui é do Banco Ibis...


Vênus

16 de ago. de 2010

Noiva em Fuga




















Olho ao redor, umas 100 pessoas distraídas não se dão conta da minha presença.
Mães com filhos, garotos conversando, meninas desfilando. Observo tudo como se eu não estivesse ali, como se estivesse vendo tudo através de um espelho.
Observo gestos, olhares, como as pessoas se vestem, como gesticulam, observo os solitários e penso se realmente são pessoas solitárias ou estão ali sozinhos apenas naquela noite.

O solitário, o homem realmente solitário procura estar junto das multidões, é um modo estranho de se sentir vivo, de sentir que faz parte de uma sociedade, de algo maior.
Mas no fundo sabe que é um engano, a solidão está dentro dele, está no olhar triste, na metade amputada de si mesmo, no amor arrancado de seu destino, da tristeza que sente ao ver uma cena real e simples como um casal andar de mão dadas, do namorado que tira alguns fios de cabelo do rosto da namorada.

A solidão está impregnada na alma.
Reconheço logo um deles. Sinto pena. Alguns são tímidos, outros fizeram opções erradas na vida.

Uma senhora na mesa quase ao lado da minha conversa com um jovem que deve ser seu filho. Conversam animados enquanto o lanche é servido.

Ele está de bermuda. Não deixo de notar pernas belíssimas. Logo minha atenção é desviada para um homem que chega e se senta na mesa em frente a minha.
Quando volto a olhar a mãe e o filho sumiram.

Á noite. Bar Ilhéus, toda quinta eu e Karize gostamos de dançar, conhecer pessoas.
Quando vou ao banheiro, sozinha dou de cara com o jovem do shopping. Em segundos tive uma ideia.

-Olá, tudo bom?

-Olá, tudo. De onde você me conhece?

-Nos conhecemos do shopping, você não lembra?

Ele fica desconsertado, não consegue lembrar de mim. Eu acho tudo muito divertido, como um brincadeira de criança que não faz mal a ninguém. Queria experimentar o que sentem os homens quando estão na caça, quando atacam e tentam seduzir uma mulher, quais táticas usam e como se sentem quando conseguem conquistar a eleita do momento.

Ele certamente não lembra de mim, mas finge que conhece. Entra no meu jogo de sedução.

E se entrega.

Vamos dançar juntos, ele passou a noite me olhando e falando:

-Puxa mas como pude não lembrar de uma garota como você.

Namoramos um três meses e nada de sexo. Era muito divertido nosso relacionamento, mas quando chegávamos no meu apartamento ele ficava só no beijo e me deixava pensando.

-Ou ele tem alguma problema ou é diferente de todos os outros homens que conheço. Os outros mal ficam sozinhos comigo logo querem me devorar.

Um tarde de Domingo fomos passear de Bug, ele estava como sempre carinhoso, paramos numa praia em Coqueiros para ver o mar.
Ficamos dentro do carro, sentindo o sol olhando o mar e ouvindo Marina Lima.
Então ele me disse:

-Adoro você, mas preciso falar algo muito sério.

Ficou muito sério e imaginei algo muito grave.

-Eu sou gay. Por isso nunca tivemos sexo, eu não consigo. Adoro você, adoro estar com você. Sinto sua falta, penso em você todos os dias, mas não quero iludir você mais.

Minha reação foi fingir que estava tudo bem.

-Tudo bem, Marcelo. Ficamos amigos, eu também adoro estar com você. Vamos nos encontrar sempre só que daqui pra frente como amigos.

Mas não fiquei bem não. Passei algumas semanas tentando entender o que aconteceu, como eu não notei nada. Como pude ser tão cega ou ingênua.

Depois de semanas de luto resolvi deixaria um no amor curar aquela dor. Conheci o Marcos.
Nunca gostei dele. Nada a ver comigo, mas é engraçado, quando menos gostamos dos homens, mais eles se sentem atraídos.
Conheci a família dele e logo depois, dois meses de namoro ele me pede em casamento.

Eu não quero festa, nem vestido branco, nada. Quero apenas viver com ele.

No dia combinado o interfone toca insistente.
Minhas malas todas no meio do apartamento.
Pensei no perfume dele que me causava enjoo, um perfume verde Sr N.
Pensei que passaria o resto da vida ao lado dele sem amá-lo.

Atendi o interfone e disse que não queria mais. Ele ficou enfurecido, tive que chamar a polícia. Logo o escândalo estava resolvido.
Desfiz as malas e comecei minha saga de Noiva em Fuga.

Vênus

12 de ago. de 2010


















"Meu amante deve ter um coração de ouro e uma língua com gosto de mel.
Meu amante deve ter paixão como fogo do céu e histórias para contar.
Meu amante deve ter intenções de Stonewall e espírito nômade.
Meu amante deve ter os olhos do oceano e um toque de aranha.
Meu amante nunca deve se contentar com menos ."

8 de ago. de 2010

A Outra















Saio do trabalho apressada, sexta-feira. Eufórica, livre para fazer o que quiser. Rose está a minha espera, dividimos o apartamento. Estamos subindo a Rua Tenente Silveira, perto de casa, ouço o som do motor de uma moto que acelera e para quase ao mesmo tempo ao nosso lado.

É ele.
Marcos, dono de uma loja na mesma rua, passo todos os dias por ali, almoçamos juntos algumas vezes, mas algo nele não me faz sentir vontade ir além. Ele é tudo de bom. Meu número. Mas o maldito instinto que tenho me avisa: Vai devagar ele é chave de cadeia.

Não costumo desprezar meus instintos. Então nunca passamos de encontros furtivos, encontros dos quais eu poderia me livrar dele. Território neutro.

Sei que se cair no território dele não resisto. Também sei das minhas fraquezas. Um bom perfume, olhos verdes, aquele jeito meio garoto, meio homem, tentando me seduzir e eu deixando ele pensar que não percebo, é muito bom.

-Olá meninas, tudo bom?

Rose respondeu que sim. Eu apenas sorri.

-O que você vai fazer hoje Velvet?

-Não sei ainda, acabei de sair do trabalho.

Um talvez que o encorajou (adoro esse jogo) ele caiu direitinho.

-Vamos sair hoje, jantar, balada, o que você quiser, o que acha?

-Sim. Pode ser lá pelas 21:00?

-Sim, eu passo no seu apartamento 21:00. Até mais então.

Despediu-se e saiu acelerando a moto sumindo na curva da Av. Rio Branco.

-Que homem! Como você conheceu ele?

Rose fala impressionada com a aparência de Marcos.

-Ele é dono de uma loja quase ao lado de onde trabalho. Falamos quase todos os dias, mas não estou interessada nele.

-Não está? Mas como? Ele é um gato e você já marcou de sair, como vai fazer?

-Não sei, Rose, até em casa penso em alguma coisa.

Em casa, tomei um banho bem demorado, ouvindo música.
Vestida apenas com um roupão de seda cor de vinho tinto, descalça, cabelos molhados. Senti fome.
Na mesa um café sem pressa como gosto, queijo, geleia de morango e pão italiano com suco de laranja.
Rose me olha atenta. Parece querer falar algo.

-E então? Está quase na hora, você não vai se arrumar?

-Quer saber? Não vou.

-Mas o Marcos vem aqui, como você vai fazer? Ele vem pronto para encontrar você.

-Você bem que poderia me ajudar não é Rose? Amigas são para tirar a gente dessas roubadas.

-Sim, mas o que faço? O que falo pra ele?

-Simples. Você diz que esqueci que eu tinha aula de inglês hoje e não pude cancelar. Que peço desculpas, mas hoje não poderei sair com ele.

-Está bem, você que sabe. Mas e se ele entrar aqui, ele vai ver você Velvet.

-Eu me viro.

21:00 em ponto. Sinal de que o mocinho está mesmo interessado. Mas o que ele quer não é o que eu quero. "Hoje".

Rose atende o inter-fone e fala como combinamos. Mesmo assim ele ele insiste em subir.
Eu faço um sinal de ok. Vou para as escadas do edifício.
De repente me vejo só de roupão de seda, descalça, quase nua, escondida na escadaria escura.
Aqui de cima vejo o carro dele estacionado lá em baixo, posso saber quando ele vai embora.

-Ele está demorando demais no apartamento. O que será que aconteceu?

Não sei quanto tempo se passou, sei que foi bastante. Olho para a rua lá em baixo e vejo o carro acender os faróis e sair rapidamente rua abaixo.
Finalmente posso voltar para minha casa, mas estou curiosa para saber o que ele disse.

Abro a porta do apartamento. Senti o impacto do aroma forte e recentemente evaporando no ar. Meu perfume Poison.
A Rose não está na sala, nem no quarto, nem na cozinha, não está.
Em segundos entendi o que aconteceu. Ela saiu com ele e usou o meu perfume.

Sorri.
Passei um bom tempo pensando que Marcos não queria sair "comigo". Ele queria sair com qualquer uma. Queria sexo apenas.
Me senti aliviada por não ser a mulher descartável daquela noite.

No dia seguinte. 10:00 da manhã Rose aparece. Disse que foi uma noite maravilhosa.
Ela não é uma mulher bonita e uma noite dessas deve ser algo inesquecível, não deve pensar que foi apenas mais uma. Eles nunca mais saíram juntos.

Marcos nunca mais me procurou. Acho que entendeu que eu entendi. Acho que entendeu que o que ele quer no momento não é o que eu quero.

Mas um dia desses...quem sabe.

Um dias desses em que o sexo casual não deixar um vazio gigantesco na manhã seguinte, que a ligação que não vem não me faça sentir usada, ou que me faça pensar que não agradei o mocinho, o inquietante segundo encontro quando os olhos parece já conhecerem nossa alma, onde o charme e o encanto tem apenas dois rumos certos: ou cresce de vez e explode em paixão ou se esvai como o nevoeiro quando o sol aparece, poderoso e imbatível.

Fiquei com a solidão das ondas batendo nas rochas, fiquei com o pensamento longe....além-mar.

Vênus