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6 de mai. de 2010
Alfândega
Com um livro e uma pequena mala de mão, ela segue em meio a multidão
com passos apressados, segue o ritmo e nem sabe ao certo para aonde está indo.
Imagina que todos tem o mesmo objetivo passar na alfândega e pegar as malas.
Ela estava ansiosa...estava de volta...mas seu coração ficara em Lisboa.
Envolvida nesses pensamentos ela se viu numa enorme fila de espera para carimbar o passaporte na temida alfândega.
Do seu lado esquerdo uma fila muito maior se formava...um empurra-empurra geral, mulheres com crianças no colo reclamando preferência na fila, idosos, pessoas aflitas sem saber em qual das duas filas deveria ficar, confusão geral.
Mas ela estava tranquila vendo a fila gigante que se formara a sua direita, pensou:
-Tive sorte de chegar antes e entrar na fila menor.
Alguns olhares dos homens na fila a deixaram sem jeito, a inesperada invasão daqueles olhares causou desconforto, não estava num território seguro, não estava armada para se defender de alguma investida sempre previsível e chata que alguns homens fazem...observou um homem loiro de olhos azuis que embarcou com ela em Lisboa e que viajou sempre muito sério, um alemão. Este a seguia atentamente com o olhar, como se entre eles houvesse um segredo, uma cumplicidade profissionalmente disfarçada.
Alguns italianos falantes e sorridentes, espanhóis, uma mulher brasileira logo atrás dela que também se mostrava agitada.
Não tinha para onde se virar que lá estavam olhos a lhe seguir, a lhe desnudar o corpo e o pensamento.
Vestida de preto e salto alto, o decote da blusa era um pouco aberto demais para estar ali num ambiente tão estranho. Segurou o livro junto ao peito e tentou pensar em outras coisas, mas pensava se havia algo errado com ela..ou se a roupa estava inadequada ou se estava bonita, não..bonita depois de 10 horas presa a um assento de avião..não.
Curiosamente a fila gigantesca ao lado estava sendo dizimada numa velocidade incrível, enquanto a fila menor não se mexia.
Tudo isso a incomodava....instintos ligados..algo errado.
- Você é brasileira? perguntou a mulher que estava logo atrás dela.
-Sou.
-Você sabe se é aqui a fila correta? Eu sou brasileira, mas meu marido é italiano e tenho dupla cidadania.
Ela respondeu que sim, que deveria ser ali mesmo.
A mulher agradeceu com um sorriso e voltou a conversar com seu italiano.
Ela ficou com uma pulga atrás da orelha, ora mas que coisa...se o marido que é italiano e estrangeiro está na fila certa....espera aí....
Ela foi até um dos guichês, pediu licença para um senhor que estava sendo atendido e perguntou ao homem da alfândega:
-Senhor, por gentileza, o senhor pode me informar se é aqui a fila para carimbar meu passaporte?. Entregou o passaporte a ele.
Sem demonstrar nenhuma reação, com um gesto robótico e cansado ele devolveu o passaporte a ela e disse:
-Senhora, a fila para brasileiros é aquela ali ao lado!
Ela olhou para o lado atônita....não havia uma só pessoa na outra fila.
Entregou o passaporte a outro “robô” que não a olhou sequer, carimbou o passaporte e ela seguiu para onde estariam as malas. A fila novamente gigante e as malas rodando, coloridas e abandonadas.
Ela observa um dos homens da alfândega armado que a observava, não desviou o olhar, mas sentiu um calafrio.
Nada poderia dar errado agora, faltava pouco.
Na área externa do aeroporto um carro preto a espera, ela sorri.
Entra no carro e beija o alemão de olhos azuis que esteve o tempo todo por perto silenciosamente.
Ela olha para trás e vê uma agitação de guardas e policiais no aeroporto. Ele acelera o carro e os dois desaparecem pelas avenidas da cidade….
Vênus
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2 comentários:
A delicadeza com que você cria a atmosfera do conto é deliciosa..parece que a gente ouve a música, sente os perfumes..lindo!!!
Adorei seu texto e concordo com A.Mandel quando diz que vc cria uma atmosfera tal que a gente se sente nos ambientes. Me senti em plena alfandega testemunhando a cena que vc descreveu.
Bjss
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